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Posso perder meus bens pelas dívidas tributárias da minha empresa?

Por Bruna Kanning,

Muitos empresários desconhecem os perigos que existem ao deixarem de pagar os débitos tributários das suas empresas, especialmente quando misturam o patrimônio da pessoa jurídica com o deles.

Vemos diariamente empresas com débitos tributários elevadíssimos, mas com sócios ou acionistas com diversos bens na pessoa física, o que estas pessoas desconhecem é a possibilidade do redirecionamento da cobrança dos débitos tributários da empresa para seus proprietários ou administradores.

A regra geral existente é a separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o da física, pois são personalidades distintas, mas, para coibir abusos, a nossa legislação trouxe a possibilidade de quebrar esta regra, permitindo que o fisco busque o pagamento dos débitos tributários da empresa pelos sócios, administradores ou acionistas, de acordo com o que determina nos Art. 134 e 135 do Código Tributário Nacional, que traz a possibilidade de atribuição da responsabilização do sócio, administrador ou acionista pelos débitos tributários da empresa.

Contudo, para que ocorra o redirecionamento da cobrança, o fisco precisa demonstrar que o responsável pela empresa não pagou os débitos tributários intencionalmente, a própria lei dispõe as situações que configuram esta intenção: confusão patrimonial, desvio de finalidade e fraude. O Artigo 501 do Código Civil traz as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, explicando que esta desconsideração deve ocorrer mediante procedimento próprio (incidente de desconsideração da personalidade jurídica). Para facilitar a compreensão, vamos abordar cada uma delas.

A principal causa de responsabilização dos sócios, administradores ou acionistas pelos débitos tributários da empresa é a confusão patrimonial, mas o que significa esta expressão? A confusão patrimonial ocorre quando os bens da empresa e do sócio se misturam. Você deve estar pensando que isso é difícil de acontecer, porque o patrimônio do sócio está no nome dele e da empresa no nome dela.

Contudo, a principal forma de confusão patrimonial é em dinheiro, quando a empresa paga as contas pessoais dos administradores, dos sócios ou dos acionistas, neste caso temos uma confusão patrimonial. Quando os responsáveis pela empresa utilizam os veículos da pessoa jurídica para fins pessoais, também podemos considerar que existe uma confusão patrimonial.

Um caso grave de confusão patrimonial, especialmente quando estamos falando de empresas no Simples Nacional, é a realização da venda pela pessoa jurídica e o pagamento na conta bancária da pessoa física, situações como esta demonstram que a empresa e o seu responsável são uma só entidade, pois não existe separação entre o que é de um ou de outro.

Desse modo, quando o administrador da empresa, o sócio ou acionista utiliza da empresa para fins pessoais, ou seja, se a pessoa jurídica custeia a vida pessoal do sócio, pagando suas despesas como se fossem dela (alimentação, escola dos filhos, veículo, impostos devidos pela pessoa física – IPVA e IPTU) poderá ocorrer a confusão patrimonial.

Você deve estar se perguntando o porquê dessa prática ser tão errada, vou explicar: quando a empresa arca com despesas que não são suas, estas despesas se tornam um custo para a pessoa jurídica, o que reduz o lucro, logo, diminui também a tributação sobre o lucro, quando estamos falando de empresas contribuintes do lucro real.

Além disso, quando a pessoa jurídica custeia a vida pessoal do sócio ou do acionista, ela está tirando recursos indiretamente da empresa, reduzindo os valores que seriam utilizados para pagamento dos tributos. Assim, se a empresa possui débitos tributários e houve a confusão patrimonial, beneficiando (na maioria das vezes) as pessoas físicas envolvidas, é permitida a cobrança dos débitos tributários destas pessoas físicas.

A segunda hipótese de redirecionamento dos débitos tributários da pessoa jurídica para a pessoa física é o desvio de finalidade, esta hipótese se refere a utilização da pessoa jurídica para outros fins, ou seja, quando a empresa é constituída, é incluindo no contrato social qual será o objeto (finalidade) daquela empresa, quando esta finalidade não é cumprida, podemos ter um redirecionamento da cobrança dos débitos da pessoa jurídica para a física.

Importante pontuar que a própria legislação informa que a mudança ou a expansão da finalidade original, ou seja, a alteração do objeto da empresa, não configuram desvio de finalidade.

Por fim, temos a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica quando ocorre a fraude ou abuso de direito. A fraude é a mais gravosa de todas, pois, neste caso, podemos ter repercussões penais, além do redirecionamento da cobrança dos débitos tributários. Este instituto é caracterizado pela existência de atos ilícitos, ou seja, atitudes de possam prejudicar terceiros (o fisco) ou burlar a lei.

Um exemplo clássico de fraude é a constituição de empresas para deixar de pagar tributo ou para pulverização de receitas, como ocorre frequentemente com os grupos econômicos formados por empresas do simples nacional. Nesta situação, o empresário, para permanecer no Simples Nacional, vai abrindo diversas empresas, em nome de terceiros, mas na prática as atividades são executadas por uma só.

Diante destas premissas, vários casos sobre o redirecionamento da cobrança das dívidas tributárias para os sócios ou acionistas chegaram ao STJ, pois alguns juízes passaram a determinar o redirecionamento automático da cobrança, mas, como já mencionado, essa responsabilização não é tão fácil e necessita de um procedimento próprio.

Assim, o STJ tem decidido que, para a que ocorra o redirecionamento da cobrança dos débitos tributários da empresa para os administradores, sócio ou acionistas na esfera judicial, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no Art. 133 do Código de Processo Civil, a pedido do fisco (REsp. 2.036.722).

Todavia, a exigência de instauração deste incidente não deixa a situação mais fácil, sendo necessária muita cautela dos empresários, visto que o fisco, para garantir o pagamento do débito, passou e incluir o administrador, o sócio ou acionista no polo passivo da exigência do tributo (devedor) na esfera administrativa, enviando o termo de sujeição passiva, o qual exige do empresário a defesa em nome próprio desde a constituição do débito tributário.

Sendo assim, o administrador, sócio ou acionista pode ser obrigado a pagar os débitos tributários da sua empresa com os bens que estão na pessoa física, se demonstrado que houve a confusão patrimonial ou desvio da finalidade da empresa, bem como se ele cometeu algum ato ilícito, ou seja, fraude ou abuso de direito na sua empresa.

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1 Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º  O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§ 4º  A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º  Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.