Em recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo fora determinado que os tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins) não devem compor a base de recolhimento do imposto municipal (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS), situação que implica em uma redução do preço ao prestador de serviços (pessoa jurídica ou física). O tema é extremamente relevante por se tratar de um tributo que é custo direto em um setor que tem implicações tributárias de grande monta, as quais inclusive estão em foco em uma reforma tributária, amplamente discutida e em vias de ser votada nas casas legislativas.
O tema é relevante, logicamente, guarda proximidade com o precedente acerca da exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins [1], oportunidade que o termo faturamento fora bem analisado pelos ilustres julgadores do Supremo Tribunal Federal. Dentre os reflexos da conhecida Tese do Século verifica-se a preocupação dos prestadores de serviços com a base de cálculo do tributo municipal (ISS), o qual em muitas municipalidades detém, indevidamente, no preço do serviço a inclusão dos tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins), o que majora de forma significativa o recolhimento do tributo.
O preço do serviço, nos termos da legislação aplicável [2] é de extrema valia ao recolhimento do ISS, visto que ela se reveste como a base de cálculo do recolhimento da exação municipal, ou seja, definir com exatidão a precificação do serviço é condição básica e indispensável para remunerar o serviço prestado e, por via reflexa, recolher o tributo municipal.
Desta feita, importa avaliar a definição do referido “preço de serviço”, sendo que os entendimentos doutrinários e jurisprudências são taxativos e uníssonos ao indicar que se refere:
“Cumpre-se salientar que, ‘in casu’, a base de cálculo do ISS resume-se exclusivamente ao preço do serviço, isto é, ao valor alcançado pela contraprestação ao serviço executado, de modo que incluir a receita do ISS, que é destinada ao Fisco, no valor do serviço extrapola o limite do dever de tributar.
Ademais, sabe-se que a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço prestado (artigo 7º da LC nº 116/03). Nessa toada, considerar os demais tributos que o contribuinte recolhe aos cofres federais (PIS, Cofins, CSLL e IRPJ) como integrantes da base de cálculo do ISSQN desvirtua o conceito do valor do serviço e pode caracterizar eventual bis in idem” [3].
O entendimento levado à efeito pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo está em sintonia com os precedentes, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, o qual determina que a base de cálculo deve se ater único e exclusivamente ao preço do serviço. Adotar qualquer posicionamento contrário, incorre em eventual bis in idem (tributação dupla sobre mesmo fato gerador), situação que não merece prevalecer e tampouco respaldo do judiciário.
Corrobora ao entendimento o ilustríssimo doutrinador e professor Roque Antônio Carraza, ao suscitar que “Se a base de cálculo do ISS levar em conta elementos alheios à prestação do serviço realizado (v.g., o valor dos materiais nela empregados), o tributo sofrerá um desnaturamento, o transformando-se numa exação teratológica e, por isso mesmo, inconstitucional”.
Nessa toada, as empresas prestadoras de serviços se socorrem ao judiciário em busca do direito líquido e certo em tributar o ISS apenas sobre o preço do serviço, sem qualquer inclusão dos tributos federais, os quais não guardam qualquer relação com o faturamento dos contribuintes.
Importante destacar que as decisões judiciais (jurisprudência) endossam o entendimento dos contribuintes, inclusive em recentíssima decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo fora determinado que os tributos federais devem ser excluídos da base de cálculo do ISS. Em sua literalidade, vejamos:
“Apelação — Mandado de Segurança — ISS — Pretensão da empresa
impetrante seja concedida a segurança para afastar o ato coator de exigir o ISS calculado sobre os valores destacados nas notas fiscais de serviços, os quais se referem as contribuições ao PIS, Cofins, CSLL e IRPJ da base de cálculo do ISSQN, bem como seja garantido o direito de compensação e/ou restituição do que foi pago de forma indevida nos últimos cinco anos — A base de cálculo do ISS resume-se exclusivamente ao preço do serviço, isto é, ao valor alcançado pela contraprestação ao serviço executado, de modo que incluir a receita do ISS, que é destinada ao Fisco, no valor do serviço extrapola o limite do dever de tributar — A base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço prestado (artigo 7º da LC nº 116/03) e, portanto, considerar os demais tributos que o contribuinte recolhe aos cofres federais (PIS, Cofins, CSLL e IRPJ) como integrantes da base de cálculo do ISSQN desvirtua o conceito do valor do serviço e pode caracterizar eventual ‘bis in idem’” [4].
A exclusão dos tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins) da base de cálculo do ISS é de extrema relevância às empresas prestadoras de serviços, visto que pode ensejar em uma redução imediata do recolhimento municipal e, por conseguinte, do preço (repasse), assim como pode ensejar na devolução do pagamento à maior dos últimos cinco anos. Situação que deve ser avaliada com cautela e atenção visto os impactos do recolhimento ao setor de serviços, os quais podem ter aumento de tributação em uma eventual reforma tributária, logo, avaliar os recolhimentos atuais e o passado (indébito tributário) é medida urgente e efetiva.
[1] Recurso Extraordinário nº574.706 – Julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
[2] Lei Complementar nº 116/2003
[3] Apelação Cível nº 1078152-51.2021.8.26.0053, Desembargados Marcelo Theosósio. 21/06/2023
[4] Apelação Cível nº 1078152-51.2021.8.26.0053, Desembargados Marcelo Theosósio. 21/06/2023
Thiago Glucksmann é advogado, diretor de Tax Planning na BMS Consultoria Tributária, mestrando em Direito Tributário na Fundação de Getúlio Vargas (FGV-Direito), especialista em Direito Tributário e MBA/USP-Fipe em Economia de Empresas.