É aconselhável que as empresas avaliem o impacto da nova legislação em seu resultado e adotem medidas para fazerem valer seu direito a manutenção do ICMS incidentes sobre suas aquisições na base de crédito das contribuições.
Em recente artigo1, afirmamos que a lei 14.592/23 é inconstitucional, ou, mais precisamente, seus arts. 6º e 7º, que, ao dispor que o ICMS deve ser excluído da apuração dos créditos de PIS e Cofins, acabaram por violar a lógica e fundamento jurídico do princípio da não-cumulatividade destas contribuições sociais, estabelecido no arts. 3º das leis 10.637/02 e 10.833/03, e no artigo 195, § 12, da CF.
Este tema tem sido debatido em todo o território nacional, ante ao impacto econômico significativo para as empresas submetidas ao regime não-cumulativo das contribuições sociais, pela diminuição significativa dos créditos apurados e, consequentemente, no aumento do valor a ser recolhido aos cofres da Receita Federal.
Por isso, os contribuintes têm recorrido ao Poder Judiciário para confrontarem a novel legislação, considerando que o Congresso Nacional permitiu e aprovou as mudanças da sistemática normativa destas contribuições propostas inicialmente pelo Governo Federal na forma da MP 1.159/23.
E o Poder Judiciário, pelo seu dever constitucional de não poder se furtar a enfrentar os temas que lhe são questionados, tem se manifestado, ainda que de forma discreta e cautelosa, apontando os vícios da nova lei e a sua incompatibilidade com o sistema jurídico tributário brasileiro.
O intuito deste texto apresentar os subsídios que poderão auxiliar as empresas a combater tal arbitrariedade, destacando os principais fundamentos que permearam e se fizeram presentes em três importantes decisões recentemente proferidas em favor dos contribuintes. São duas sentenças, uma da Seção Judiciária de São Paulo2 e a outra do Judiciária do Rio de Janeiro3, e, por fim, uma decisão liminar proferida no âmbito do Tribunal Regional Federal da 2ª Região4.
Em todos os casos citados, foram desenvolvidos ao menos três fundamentos importantes para reconhecer a impossibilidade de exclusão do ICMS na apuração dos créditos de PIS e COFINS: um fundamento de ordem jurisprudencial, um de natureza fiscal ou contábil, e, finalmente, o fundamento jurídico a partir do conjunto normativo sobre o tema.
Na análise do tema a partir do contexto da jurisprudência especialmente dos Tribunais Superiores, todas as decisões referidas foram contundentes ao afirmar a distinção clara entre o precedente fixado pelo STF no julgamento da “tese do século” (Tema 695), uma vez que naquele julgamento a Corte excluiu o ICMS da base de cálculo da incidência das contribuições, por não poder ser considerado no conceito de receita, para fins da incidência.
Entretanto, em momento nenhum, o STF julgou o tema do ponto de vista do ICMS na apuração dos créditos de PIS e Cofins, até mesmo porque se tratam de sistemáticas diferentes, exatamente como foi julgado.
Tal diferença decorre, inclusive, do fundamento fiscal/contábil dessa discussão. Afinal, na apuração dos créditos de PIS e Cofins, o contribuinte não pode destacar o valor do ICMS na nota fiscal de aquisição de matérias-primas e insumos, integrando este valor, indiscutivelmente, no custo de aquisição dessas mercadorias.
Finalmente, tal como tratamos no artigo anterior com maior profundidade, admitir a exclusão do ICMS na apuração dos créditos de PIS e Cofins é incompatível com o núcleo do princípio da não-cumulatividade, visto que o objetivo do regime não-cumulativo é desonerar a carga tributária ao contribuinte nas cadeias produtivas mais extensas, mitigando o impacto da tributação ao consumidor final, e respeitando os princípios basilares da vedação ao confisco e da capacidade contributiva.
Em outras palavras, uma lei ordinária promover a exclusão do ICMS na apuração desses créditos é negar vigência ao princípio da não-cumulatividade previsto na Constituição Federal, o que é totalmente incompatível com o ordenamento jurídico.
Outro fundamento que esteve presente nas decisões foi a tentativa do Fisco Federal de aumentar a tributação do PIS e da Cofins por via oblíqua aos contribuintes, com tal alteração na legislação. Para tanto, prevê a Constituição a necessidade de LC, o que não foi respeitado.
Consideramos estas decisões importantíssimas para todos os contribuintes que já estão sendo impactados pela lei 14.592/23 desde maio, visto que representam um horizonte jurisprudencial favorável, sendo aconselhável que as empresas avaliem o impacto da nova legislação em seu resultado e adotem medidas para fazerem valer seu direito a manutenção do ICMS incidentes sobre suas aquisições na base de crédito das contribuições.
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1 Disponível em: https://www.brga.com.br/post/lei-14-592-%C3%A9-inconstitucional-icms-%C3%A9-custo-de-aquisi%C3%A7%C3%A3o-para-creditamento-do-pis-cofins
2 Sentença de 19/07/2023 no Mandado de Segurança nº 5001361-70.2023.4.03.6133, 2ª Vara Federal de Mogi das Cruzes.
3 Sentença de 05/07/2023 no Mandado de Segurança nº 5058002-97.2023.4.02.5101, 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro.
4 Decisão de 01/05/2023 no Agravo de Instrumento nº 5005005-17.2023.4.02.0000, 3ª Turma Especializada do TRF-2
5 Tese: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS.”
Lucas Zapater Bertoni
Advogado no Braga & Garbelotti – Consultores Jurídicos e Advogados.