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REDUÇÃO DE IRPJ/CSLL PARA CLÍNICAS MÉDICAS

O CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, através de sua Câmara Superior, por unanimidade, promoveu ao cancelamento de duas autuações fiscais de clínica médica registrada como sociedade simples – que não tem finalidade mercantil – que havia recolhido alíquota a menor de IRPJ/CSLL, ao invés da alíquota de 32% prevista como base de cálculo para prestadores de serviço.

Embora a RFB (Receita Federal do Brasil) entenda que a redução da alíquota de 32% para 8% para pessoas jurídicas no lucro presumido – ou seja, no regime tributário em que a empresa faz a apuração simplificada do IRPJ e da CSLL, onde o Fisco presume que uma determinada porcentagem do faturamento é o lucro – caiba apenas para sociedades empresárias – as quais são organizações econômicas dotadas de personalidade jurídica e patrimônio próprio, constituídas por mais de uma pessoa, que têm como objetivo a produção ou a troca de bens ou serviços com fins lucrativos – e que atendam às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, prestando serviços de auxílio diagnóstico e terapia, foi reconhecida a redução de alíquota à sociedade simples, ou seja, que desenvolve atividade intelectual prestada pelo próprio sócio.

Para o Fisco, é necessária a organização da pessoa jurídica como “sociedade empresária” perante a Junta Comercial para fazer jus ao benefício da tributação reduzida. No caso, para a fiscalização, a clínica não preenchia tal requisito e, portanto, não faria jus à redução da alíquota. Assim, aplicou à clínica, multa de 75%, além de juros de mora, majorando em muito a tributação.

Por sua vez, para os conselheiros do órgão fiscal, a formalização da pessoa jurídica como sociedade simples não afasta sua natureza empresária se demonstrado que a empresa exerce atividade econômica organizada. Noutros dizeres, seria necessário analisar os fatos, no caso concreto, para constatar se os serviços prestados pelo estabelecimento contribuinte possuem natureza eminentemente hospitalar, de forma a fazer jus à redução.

Com este precedente, o entendimento do CARF traduz a possibilidade efetiva de redução da carga tributária aos prestadores de serviço da área da saúde, os quais terão maiores fundamentos para afastar a integralidade da alíquota de 32% veiculada pela Lei nº 9.429/1995, quer na seara administrativa, quer na judicial.

AGU esclarece competências da PGFN e da RFB em transações tributárias

Uma dúvida comum para interessados em celebrar transação de débitos perante a administração tributária federal é: o que fazer quando há simultaneamente débitos perante a Receita Federal do Brasil (RFB) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)? Dúvida compreensível dada a possibilidade de que haja uma percepção diferente entre as duas instituições representantes da União, muitas vezes relacionada à diferença de formação e de visão do contencioso tributário em cada ente estatal.

Essa percepção diferente pôde ser observada durante a tramitação do Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória nº 1.090/2022, no qual a RFB manifestou interesse em alterar a Lei de Transação (Lei nº 13.988/20) para poder disponibilizar a modalidade de transação individual. Em razão disso, conseguiu a aprovação na Câmara dos Deputados de um texto que lhe permitisse definir os próprios critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, nos mesmos moldes do que até aquele momento era realizado apenas pela PGFN.

Todavia, ao fim dos debates em torno do texto legal, coube ao Senado a definição de que a separação entre as competências da RFB e PGFN em procedimentos de transação tributária caberia à Advocacia Geral da União (AGU), mantendo-se, quanto ao critério de aferição de recuperabilidade das dívidas, a unicidade conceitual e procedimental já existente na PGFN. O texto final aprovado resultou na Lei nº 14.375/2022, que modificou a Lei nº 13.988/20.

No último dia 13/04/2023, foi publicado no Diário Oficial da União o aval do Presidente da República ao Parecer da AGU — JM — 02, de 06 de abril de 2023, no qual o órgão máximo da advocacia pública define a forma de atuação de cada órgão, notadamente no que concerne à atuação da RFB em acordos de transação.

Essa orientação decorre justamente da alteração introduzida por intermédio da  Lei nº 14.375/2022, onde se observa, em reiterados dispositivos [1], a preocupação do legislador em assegurar a competência da advocacia pública naquilo que diz respeito a aspectos jurídicos envolvendo os requisitos para a transação. O artigo 10-A foi inserido na Lei de Transação para dispor que a transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal poderá ser proposta pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de forma individual ou por adesão, observada a Lei Complementar nº 73/93 — Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, que atribui competências da advocacia pública.

O artigo 14, por sua vez, recebeu a inclusão de parágrafo único que definiu que caberá ao procurador-geral da Fazenda Nacional disciplinar, por ato próprio, os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, os parâmetros para aceitação da transação individual e a concessão de descontos, entre eles o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança e a vinculação dos benefícios a critérios preferencialmente objetivos que incluam ainda a sua temporalidade, a capacidade contributiva do devedor e os custos da cobrança.

Conforme o artigo 131 da Constituição, a Advocacia-Geral da União é a instituição que representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, nos termos da Lei Complementar nº 73/1993.

Para encerrar este contexto normativo, o artigo 12 Lei Complementar nº 73/1993, que disciplina a atuação da PGFN, esclarece que compete à Procuradoria apurar a liquidez e certeza da dívida de natureza, inscrevendo-a para fins de cobrança, amigável ou judicial (inciso I), além de representar privativamente a União, na execução de sua dívida ativa de caráter tributário (inciso II) e nas demais causas de natureza fiscal (inciso V), incluindo a representação em órgãos do contencioso administrativo fiscal.

Portanto, até no contencioso administrativo (Carf e DRJ), o órgão jurídico de representação da União é a PGFN, e não a RFB.

Ainda que essa legislação não permitisse interpretações diferentes do seu teor, em algumas situações os contribuintes observaram dificuldade de interlocução entre os órgãos da Administração Pública Tributária, prejudicando a própria eficácia dessa importante ferramenta da política tributária e arrecadatória da União.

A falta de diálogo entre os órgãos ensejava que os representantes dos contribuintes negociassem duas vezes, obtendo benefícios e condições de pagamento diferentes, algumas vezes em contradição com o plano de regularização fiscal apresentado a um dos órgãos. Havia problemas também em relação à oferta de garantias, de modo que um órgão poderia consumir todos os ativos disponíveis para assegurar o acordo.

Ao optar pela inscrição em dívida ativa dos valores em cobrança na RFB, de modo a centralizar a negociação na PGFN, observava-se igualmente entraves para a adoção deste procedimento. Da mesma forma, também se observou dificuldade para a adoção do novo procedimento de migração de parcelamentos na Receita Federal para consolidação na transação tributária, na forma do artigo 11, §11, da Lei 13.988/20.

Os desentendimentos chegaram ao Poder Legislativo, na via de projetos de lei que tentam ampliar ou restringir os poderes da Receita Federal.

No dia 08/11/2022, a Câmara dos Deputados aprovou o texto do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 17/2022, mais conhecido como “Código de Defesa do Contribuinte”. Dentre as diversas alterações feitas ao ordenamento jurídico tributário, o artigo 65-A altera a Lei nº 13.988/20 ao admitir que a RFB negocie débitos em cobrança administrativa, ainda que não submetidos ao contencioso, e transfere ao Secretário Especial da Receita Federal a competência para regulamentar os parâmetros para realização de acordos, incluindo a aferição do grau de recuperabilidade dos créditos e a capacidade contributiva dos contribuintes. Registra-se também a apresentação da Emenda nº 9 à Medida Provisória nº 1.159/2023, de conteúdo semelhante ao do PLP.

Por outro lado, no âmbito do PLP 127/21, houve a inclusão de norma que retira das mãos da Receita Federal a possibilidade de realização de transações tributárias. O parecer aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos propõe a alteração do artigo 10-A da Lei 13.988/2020 para prever que “a transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal poderá ser proposta pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor”.

Presenciava-se, portanto, uma insegurança jurídica em torno da competência dos agentes públicos para negociar, o que foi arbitrado pela Consultoria-Geral da União da AGU, com o referendo da Presidência da República.

O Parecer da AGU — JM — 02, de 6 de abril de 2023, aprovou o Despacho do Consultor-Geral da União nº 00280/2023/GAB/CGU/AGU, que concluiu que a participação prévia da PGFN nos atos de transação é obrigatória, por força do seu dever de controle de legalidade e de representação da União no contencioso fiscal, ainda que administrativo.

Não houve, contudo, a exclusão da atribuição da Receita Federal transacionar, mas sim a imposição de que a PGFN se “manifeste nos atos de transação”, o que significa a sua participação na construção e negociação dos termos de transação celebrados pela RFB.

Na contramão da pretensão da Receita Federal de ampliar seus poderes para negociar débitos em cobrança administrativa não submetidos ao contencioso, o Parecer da AGU esclareceu que o contencioso administrativo fiscal se restringe à impugnação de lançamento fiscais, ou seja, aos débitos em discussão nas DRJ e no Carf, excluindo qualquer outra fora de instauração do contencioso administrativo mediante petição ao recurso administrativo na forma da Lei nº 9.784/99.

Neste contexto, o parecer da AGU com certeza traz maior segurança e coerência para o ambiente de negociação de acordos de transação tributária junto à União.

Como sabemos, a PGFN é órgão composto por profissionais formados necessariamente em direito e obrigatoriamente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, gozando de todas as prerrogativas e proteções previstas na Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB), que permitem maior coesão na representação jurídica da União. Atividade, a rigor, privativa da advocacia, nos termos do artigo 1º, do Estatuto da OAB. Nada mais coerente, portanto, que seja obrigatória a representação jurídica na realização de acordos que envolvem a concessão de descontos e formas de pagamento especiais de tributos, atividade de aplicação e interpretação da Lei 13.988/2020.

Nesse sentido, o poder discricionário para transacionar, bem como a fixação dos parâmetros para se negociar dívidas, deve ser da instituição que detenha a função de representação e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

Outro não é o entendimento de Aliomar Baleeiro, que em uma de suas obras clássicas ensina, a respeito da transação no âmbito tributário, que “a autoridade só pode celebrá-la, com relativa discricionariedade administrativa na apreciação das condições, conveniências e oportunidades, se a lei lhe faculta e dentro dos limites e requisitos por ela fixados” [2]. Do contrário, haveria situações extremas em que um mesmo contribuinte teria parâmetros diferentes a depender do órgão com o qual negocia.

Diante de todo o exposto, percebe-se que a definição da participação da PGFN para que se manifeste quanto aos acordos de transação do contencioso administrativo fiscal é uma oportunidade para que os órgãos desempenhem, em sintonia e com eficiência, aquilo que dispõe a Lei 13.988/2020, favorecendo a composição completa dos débitos fiscais do contribuinte interessado em promover a sua conformidade fiscal.

[1] Artigo 10-A, artigo 13 e artigo 14, da Lei nº 13.988/2

[2] BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 905.

Alan Flores Viana é especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), MBE em Energia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), cofundador do Instituto Brasileiro de Arbitragem Tributária (Ibatt), membro efetivo das Comissão de Direito Tributário da OAB/DF e sócio do escritório MJ Alves Burle e Viana Advogados.

Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Neto é mestrando em Regulação e Transformações na Ordem Econômica pela UnB (Universidade de Brasília) e sócio do escritório MJ Alves Burle e Viana Advogados.