Discute a incidência do imposto sobre doações em caso de distribuição desproporcional de lucros.
23/08/2021
As autoridades fiscais do Estado de São Paulo já foram consultadas inúmeras vezes sobre a incidência ou não do imposto sobre doações (ITCMD) nos casos em que os sócios ou acionistas de uma sociedade convencionam a distribuição desproporcional de lucros.
O tema é discutido também no âmbito federal em razão da tributação pelo imposto de renda na fonte que pode recair sobre lucros e dividendos distribuídos em desacordo com as normas legais, na forma do disposto nos parágrafos 4º e 8º do art. 238 da Instrução Normativa n. 1.700/17, que regulam a aplicação do art. 61 da Lei n. 8.981/95.
Validade da distribuição desproporcional
Não existem dúvidas sobre a validade da distribuição desproporcional de lucros. Sobre o assunto há, no plano federal, a Solução de Consulta nº 46, da SRRF06/DISIT, de 24 de maio de 2010, na qual as autoridades esclareceram que são isentos de imposto de renda na fonte os lucros distribuídos aos sócios de forma desproporcional à sua participação no capital social, desde que tal distribuição esteja devidamente estipulada pelas partes no contrato social, em conformidade com a legislação societária.
No mesmo ato normativo as referidas autoridades afirmam que a distribuição desproporcional de lucros não implicará no pagamento de contribuições previdenciárias se forem observadas as normas legais.
Em relação ao imposto sobre doações, as autoridades fiscais do Estado de São Paulo emitiram a Resposta a Consulta Tributária 2095M1/2019, divulgada em 1º de junho de 2020.
Nesse documento as autoridades fiscais decidiram que: (a) a distribuição desproporcional de lucros não se confunde com doação, na medida em que não há ânimo de liberalidade na transferência patrimonial. Sendo regular a distribuição desproporcional de lucros, ela estará devidamente justificada em razões de cunho negocial; e, (b) a regular distribuição desproporcional de lucros não enseja a incidência do imposto sobre transmissão por doação.
Cuidados requeridos
Apesar de reconhecerem a lisura (a normalidade e a legalidade) da distribuição desproporcional de lucros as autoridades (estaduais e federais) sublinham que os contribuintes não podem agir com abuso de direito e utilizar a figura (a distribuição desproporcional) para burlar a legislação vigente.
A distribuição desproporcional de lucros é lícita quando for justificada: logo, não é aceitável em qualquer circunstância. Anoto que, em sessão de 4 de agosto de 2020, no acórdão n. 2401-007.955, o CARF decidiu que é inválida a norma jurídica individual veiculada nas Atas de Assembleia Geral Extraordinária a determinar a distribuição apenas para um único sócio; no caso, o CARF manteve a autuação fiscal na qual houve a descaracterização do rendimento isento de tributação.
As autoridades fiscais aplicaram a regra do art. 1008 do Código Civil, segundo a qual é nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e perdas. Também as autoridades fiscais do Estado de São Paulo, no texto da citada Resposta a Consulta Tributária 2095M1/2019, alertam que, na análise do caso concreto, será exigido o tributo se evidenciada a ocorrência de animus donandi na transferência patrimonial.
Ora, a renúncia ao direito de receber lucros repartidos deve ser excepcional pois o direito à participação dos lucros integra a condição jurídica do sócio e não pode ser excluído sem justo motivo; por essa razão, o contribuinte não pode manipular as formas jurídicas para obter benefício indevido sob pena de vir a ser acusado da prática de simulação ou fraude se as declarações contidas nos documentos societários não forem consideradas verdadeiras ou visarem a encobrir ou mascarar o motivo real da distribuição desproporcional.
Conclusão
A distribuição desproporcional de lucros é legal quando não dissimule fatos e quando atendam as leis societárias. Os lucros distribuídos em desproporção são isentos do imposto de renda na fonte se e quando houver justificação e sejam atendidos os preceitos da lei societária.
De igual modo, não incide imposto sobre doações na distribuição desproporcional salvo se provada a ocorrência de simulação ou fraude ou quando as leis societárias não forem observadas e os fatos revelem a intenção de doar, isto é, de transferir benefícios econômicos por liberalidade.
Os contribuintes devem ser zelosos na análise dos fatos porque uma boa ideia pode se converter num malogro pela descaracterização dos fatos e exigência de tributos e penalidades pecuniárias.
Por fim, recomendo a leitura da legislação de cada Estado da Federação que tem competência de exigir o imposto sobre doações, portanto, é possível (em tese) que as autoridades fiscais e outros estados tenham opinião diferente da orientação exarada na Resposta a Consulta Tributária 2095M1/2019, editada pelas autoridades fiscais do Estado de São Paulo.